"Olhou-a de frente, com os cinco sentidos, para fitá-la na sua memória como era naquele momento: parecia um ídolo dos rios, impávida no seu vestido negro, com os olhos de serpente e a rosa na orelha" pg. 22
"Não choraria uma lágrima, não desperdiçaria o resto dos seus anos a cozer-se em lume brando no caldo das larvas da memória" pg, 24
Tudo, neste livro, é tão apaixonante que não sei bem por onde começar…
A escrita de Gabriel Garcia Márquez é extraordinária: ele constrói frases, cenários e situações que fizeram-me ficar literalmente de boca aberta. Não importa qual seja a situação descrita - beleza, miséria, ódio, obsessão, amor, doença, velhice - ele fá-lo de uma maneira que sentimo-nos dentro da acção. Houve momentos em que quase podia sentir o sofrimento de Florentino Ariza e a constante frustração de Fermina Daza.
É um livro que fala de muitas coisas. A acção central é a história de amor e de uma vida inteira entre Florentino Ariza e Fermina Daza; mas pode-se falar de muitas outras questões e, todas elas, relevantes. O amor filial, a obsessão, a velhice, o papel da mulher na sociedade, o casamento, a ausência, a morte, a velhice. A velhice é uma questão subtil, mas constantemente presente, nesta obra: Florentino Ariza que sempre teve o aspecto físico e forma de vestir envelhecida e a forma como a velhice é tratada na obra (é o caso da mãe de Florentino). Eu gosto deste aspecto, da velhice. Este é, geralmente um tema relegado ao segundo plano e Gabriel Garcia Márquez expõe com muita verdade e franca.
O passado e o presente entrecruzam-se no relato: ora ouvimos a voz de Florentino, ora enxergamos com o olhar de Fermina. Isto permite-nos absorver a complexidade desta história e compreendermos todas as dimensões de um mesmo episódio. O passado e o presente entrecruzam-se e constroem um futuro inesperado.
Em "Amor nos tempos de cólera" os personagens que mostram-se tão pouco virtuosos, tão carregados de defeitos e vícios encaixam na perfeição no coração de quem os lê porque reconhecemo-nos em muitas das suas dores, angústias, mágoas e decisões.