“Vivi mais de mil anos. Morri inúmeras vezes. Quantas ao certo, não sei. A minha memória é uma coisa extarordinária, mas não é perfeita. Sou humano. As primeiras vidas confundem-se um pouco…Houve a minha infância. Houve muitas infâncias…atingi a idade adulta muitas vezes. Nasci e morri muitas vezes e em muitos locais… Observo as marés de pessoas irem e virem. A vida delas é curta, mas a minha é longa. Nunca tive um filho e nunca envelheci. Não sei porquê. Testemunhei a beleza em inúmeras coisas. Apaixonei-me, e ela é quem subsiste. Matei-a uma vez e morri por ela muitas outras e ainda assim nada tenho que o demonstre. Procuro-a sempre; recordo-me sempre dela. A minha esperança é que, um dia, ela se recorde de mim.”
Todas gostámos da constância de sentimentos e do amor de Frederick Wentworth por Anne Elliot (em Persuasão de Jane Austen); ou do amor de Fitzwilliam Darcy por Elizabeth Bennet, que mesmo depois de ter sido terminantemente recusado, manteve-se talvez ainda com mais força (em Orgulho e Preconceito de Jane Austen); podíamos até falar de John Thornton e do seu amor devocional e comovente por Margareth Hale (em North and South de Elizabeth Gaskell); De Heathcliff e Cathy, cujo amor venceu a morte (em Monte dos Vendavais de Emily Bronte). Todos eles romances fortes e largamente conhecidos e admirados.
Contudo, talvez não reconheçamos com tanta facilidade a história de Daniel e Lucy/Sophia, personagens que nos provam que, às vezes, o amor dura mais do que uma vida. O enredo do livro atravessa vários continentes, várias dinastias e vários espaços temporais, que oscilam entre a Ásia Menor em 552 à Inglaterra de 1918 e à Virgínia (EUA) de 1972. Neles, conhecemos a angústia de Daniel, um homem com a capacidade de reencarnar e de se recordar claramente das outras vidas que viveu e de reconhecer as almas daqueles com quem viveu anteriormente. Possuidor da chamada Memória, só um outro homem com as mesmas capacidades, possui uma memória mais extraordinária que a dele. Não está sozinho nesta experiência. Existem outros como ele e reconhecem-se mutuamente. No entanto, raramente se encontram pois existe talvez um em cada século, um nascido de entre milhões.
Daniel passou vários séculos a apaixonar-se pela mesma mulher. Conheceu-a, amou-a e matou-a na sua primeira vida e desde aí têm sido atraídos um para o outro e ele lembra-se de tudo. Ela muda de forma, de nome, não se recorda das outras vidas, mas é ela. E, por todas as vezes que ele e Sophia estiveram juntos ao longo dos tempos, também foram dolorosa e fatalmente afastados. Um amor sempre demasiado curto. Actualmente, Sophia é Lucy e o livro intercala essa relação de agora com vislumbres da sua longa história juntos. E, devagar, começa a despertar para o segredo do seu passado em comum, a compreender a verdadeira razão da intensidade da sua atracção, a força misteriosa que se atravessa nos seus caminhos, os afasta e os reúne novamente num outro local, num outro tempo, numa outra vida.
O livro é maravilhoso. Daqueles que se lêm de uma assentada só. Assistir ao desespero de Daniel que, vida após vida, continua sempre a procurar a sua amada, a saber esperar, a saber afastar-se quando sabe que tem de ser, a saber perdê-la continuamente, a viver na esperança que ela se lembre dele. Em nome da memória (no original My name is Memory (2010)) é uma história de encontros e desencontros ao longo do tempo, mas também uma história comovente de sofrimento, amor, coragem e fé.
Quanto à autora, Ann Brashares é uma escritora americana que escreve para jovens e adultos. É conhecida principalmente pela série juvenil Quatro amigas e um Jeans viajante, um best-seller internacional que teve mais 3 livros como continuação e que foram adaptados para filme. Para adultos, além deste Em nome da Memória (em Portugal editado pela Editora Quinta Essência), escreveu ainda O último verão (também editado pela Quinta Essência). Tenho esperança que faça uma sequela para este Em nome da memória. A razão não revelo. Seria estragar a leitura a quem ainda não leu.